Sem leitura. Sem escrita eficiente. Não necessariamente.

À escrivaninha. 18°C lá fora. Noite gelada, chuvosa e soturna. Almejando sol e calor.

Para o vigésimo quarto post participante, vou trazer uma reflexão sobre a experiência com relação entre a leitura e a escrita nos primeiros anos de escolaridade.

Já observou como muitas crianças, adolescentes e jovens demonstram resistência para ler? E como, da mesma forma, sentem-se inseguros para produzir textos? Você acha que eles escrevem mal porque não gostam de ler? Não necessariamente.

Este “algo mais” reside, acredito, no prazer desencadeado pela leitura de boas obras literárias. O prazer provocado pelo texto lido contribui muito para um aprimoramento na prática da escrita. Sabem por quê? A Literatura é capaz de aguçar a imaginação e desenvolver a criatividade. Escrever sobre algo prazeroso ou instigante é mais fácil, não?

Não costumo associar o hábito de leitura à boa escrita. É possível alguém escrever bem, dominar as normas ortográficas e, no entanto, não ser um amante da leitura. Ler muito, por outro lado, talvez não seja condição necessária e suficiente para escrever bem. É preciso algo mais.

A leitura precisa ser libertadora

A criança, o adolescente ou o jovem intimidam-se diante do desafio de escrever sobre o que leu? Talvez a leitura não tenha sido algo libertador para ele. A leitura precisa ser libertadora! Precisa permitir que o leitor sinta-se envolvido pela trama. Precisa permitir que vivencie as emoções contidas na história.

Assim, ao descrever suas impressões, após a leitura de um bom texto literário, o pequeno leitor tem uma motivação a mais: as ideias instigadoras desencadeadas pela obra lida.

Ele pode confrontar suas ideias com as do personagem. Pode modificar sua visão de mundo e formular conceitos baseado no enredo do texto. Pode refletir sobre um determinado tema sob outros pontos de vista. Pode concordar ou discordar deles, ou acrescentar-lhes novas ideias.

Rodas de leitura são instigantes

Rodas de leitura são uma ótima maneira de levar crianças e adolescentes a se interessarem, não só pelas obras literárias, mas em escrever sobre o que pensam e sentem. Acredito que a escolha de um texto provocador ajuda os pequenos leitores a escrever melhor e a refletir sobre os textos que leem. Porque a leitura lhes foi instigante e prazerosa.

Sempre defendi a necessidade de usar o prazer do texto para estimular meus alunos a escreverem melhor e a refletir criticamente sobre os temas dos textos lidos nas rodas. Desenvolver competências linguísticas é importante. Mas, para tal, existem as aulas de gramática e ortografia. Entretanto, dominar as regras e obedecer as normas é algo mecânico, técnico e sem sentimentos. É preciso escrever com a alma. Com a imaginação. Com a criatividade.

Precisamos permitir que os pequenos leitores expressem livremente suas impressões a partir da leitura de uma obra literária. Assim, perceberemos a riqueza dos textos criados por eles. Enquanto estivermos apenas procurando “erros” e criticando os desvios da norma linguística, estaremos privando nossas crianças, adolescentes e jovens do prazer de ler.

Nunca uso a roda de leitura como um instrumento avaliador de escrita. A intenção, nas rodas de leitura, não é didática simplesmente. A roda de leitura, essencialmente, tem o objetivo principal – eu diria, único – de despertar o prazer de ler.

Por esta razão, a conversa, o debate, o desenho, os depoimentos, as manifestações sob que forma for são tão interessantes durante e após uma roda de leitura.

Que tal ler com outras pessoas, apenas pelo prazer da obra?

Sem leitura. Sem escrita eficiente. Não necessariamente.

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Imagem: Eu e as crianças em uma roda de leitura


* Este post faz parte do BEDA – Blog Every Day (April/August), um projeto coletivo em que os blogs se propõem a postar todos os dias do mês. Ele pode acontecer em Abril e/ou em Agosto.


6 comentários em “Sem leitura. Sem escrita eficiente. Não necessariamente.”

  1. Eu era uma criança/adolescente que amava ler, mas detestava ler para fazer prova. Travava a leitura ou quando conseguia ler dava branco na prova. E eu era boa em português, repito, sempre fui uma leitora apaixonada. Acho que o fato de ainda ter estudado em uma edtrutura de ensino tradicional, onde o professor me chamou de burra diante de toda a sala e disse que eu nunca seria ninguém na vida, pois era incapaz de aprender o básico, me fez desinteressar ainda mais das aulas de português. Esse digníssimo professor phd em sei lá o que se achava muito em selecionar para alunos do ensino público, mas lhe faltava algo importante, saber ensinar. Escrever bem, no meu caso, se deve a minha paixão por leitura. Felizmente, não tive só esse professor doutor em minha estrada. E, para minha sorte, eu nunca me achei burra. Já pensou se eu tivesse acreditado? Amei seu texto. Digno de ser discutido entre professores.

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    • Oi, Beth,
      Isso é tão terrível, ter de ler obras literárias maravilhosas para fazer prova. O sistema nos obriga a essas aberrações. Mas sempre dava meu jeitinho de fazer meus alunos e alunas se apaixonarem pelo texto literário e se expressarem sobre ele da forma que preferissem: com depoimentos, poesias, crônicas, desenhos, músicas, objetos, vídeos, o que quisessem. Era uma surpresa atrás da outra.
      Você é maravilhosa. Burro foi o professor que não percebeu isso.
      beijo, menina

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    • É tão triste um professor dizer que um aluno é “burro”… Trabalho em escola como inspetora e, embora os professores já não digam isso para o aluno, ainda o dizem entre si. E fica claro no olhar o desprezo por algumas crianças. Triste demais.

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      • Sim, vi muito isso. É difícil, mas importante, acolher esses discriminados. Os bastidores escolares têm coisas ótimas e também outras vergonhosas.
        Beijo, menina

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